terça-feira, 19 de junho de 2012

Travessia Grajaú - Alto da Boa Vista (via Pico do Perdido e Morro do Elefante)

Realizada em 16/06/2012



Aloha galera esperta, esse é o mesmo roteiro que fiz há 2,5 anos atrás, só que agora na companhia de 5 "feras" do curso de Geologia (UFRJ), aqui listados: Vinícius; Guilherme "Bob Marley"; Fernandinha; Tomás e Marion. Nos reunimos na Praça Edmundo Rego (Grajaú) e partimos para a trilha por volta de 10:15, mas o ideal é sair mais cedo. 




A maioria ainda não conhecia a trilha do Pico do Perdido, somente nosso ilustre colaborador Bob Marley já havia sondado a área, até porque o sujeito é morador do Grajaú, ou seja, tinha mais que obrigação de caminhar pelas cercanias.




Como todo bom geólogo, fazíamos uma curta pausa em alguns afloramentos para visualizar as estruturas / texturas da rocha e colocar em prática o conhecimento adquirido nas aulas de petrologia metamórfica / ígnea.
As características geológicas básicas do Maciço da Tijuca são um embasamento rochoso pré-cambriano em um terreno metamórfico de alto grau, com presença de corpos graníticos.




A trilha para o Pico do Perdido é bem aberta sem muitas bifurcações, mas é bom ficar atento para algumas referências que existem no caminho como por exemplo a enorme figueira da foto acima.
No decorrer da trilha algumas saídas à esquerda levam às inúmeras quedas d'água que existem no Rio Perdido; se você não tiver pressa ou se for somente subir o Pico do Perdido, vale a pena explorar essas pequenas cachoeiras.




Optamos por uma breve pausa na clássica Cachoeira do Grajaú que outros conhecem como Cachoeira Mãe D'Água, uma das mais visitadas nesta parte da Floresta da Tijuca.
Os antigos frequentadores vão reparar na árvore que agora se encontra caída e que antes ficava colada ao bloco rochoso do lado esquerdo da cachoeira.




Ao chegarmos na cachoeira encontramos uma galinha que deve ter escapado de algum ritual religioso, haja vista que as oferendas são comuns no início da trilha. O mais novo mascote chegou chegando atraído pelo cheiro do pacote de biscoito "repetisco" piraquê.




No verão carioca um banho nessas pequenas cascatas do Rio Perdido é revigorante. Como existem várias cachoeiras, pode-se até escolher em qual se banhar, evitando um possível crowd que possa rolar durante os dias de calor causticante.




Essa é a última cachoeira antes de subir ao Pico do Perdido, pois a trilha se afasta do rio e segue subindo na direção norte. Existe uma trilha que acompanha a margem direita do Rio Perdido subindo em direção à Garganta de Maria Devel, mas esse caminho se encontra bastante fechado.




Em um mapa editado pelo Instituto de Planejamento Municipal (IPLANRIO) por conta da ECO92, estão assinaladas mais duas cachoeiras à montante que futuramente serão alvos de uma expedição, são elas: Cascata do Escoteiro e Cascata da Bandeirante.




A rapaziada na cachoeira estava que nem pinto no lixo, afinal para alguns aquele já era o banho de sábado...
Apesar do tronco caído parecer servir como um trampolim, não se empolgue pois o poço não tem profundidade suficiente; portanto não pule de cabeça!



Na foto acima se percebe a preocupação da Fernandinha em facilitar a digestão de seu novo animal de estimação, chegando ao ponto de "desbelotar" o biscoito.




Do lado direito da Cachoeira Mãe D'Água existe uma pequena gruta que estava com resquícios recentes de uma fogueira, possivelmente feita por caçadores ou outros desocupados. Parece que ao longo do Vale do Rio Perdido existem algumas grutas que também serão alvo de uma futura exploração...




Todo mundo limpinho depois do banho, agora é hora de ir para o alto e avante; retornamos à trilha principal e fomos nós para o Pico do Perdido. Logo adiante encontramos uma bifurcação onde o caminho correto é o da esquerda e aí assim, em poucos minutos, a trilha faz um curva para a direita onde a subida fica um pouco mais íngreme.




O momento em que saímos da floresta é justamente o instante em que avistamos o Pico do Perdido, só que desta vez por trás, bem diferente daquela visão que temos da Praça Edmundo Rego. Agora basta passar por um alto capinzal para alcançarmos a base do cume.




Algumas pessoas preferem subir pela Reserva do Grajaú (vertente norte), porém a exposição maior ao sol e a ausência de cachoeiras fazem com que essa opção seja menos interessante. O motivo é o medo de esbarrar com traficantes da Nova Divinéia, porém das vezes que eu subi nunca tive esse desprazer.




Em julho de 2007, escaladores tomaram uma dura de bandidos na descida do cume. Os meliantes estavam na trilha lá embaixo e mandaram de longe os escaladores descerem; tiveram que rapelar com o c* na mão.



Próximo ao cume existe um mirante bem bacana (foto acima) onde é possível ter idéia da escarpa sul do Pico do Perdido. Tenha cuidado para não se desequilibrar, pois uma bobeada pode ser fatal.




O Maciço da Tijuca é constituído predominantemente por três unidades litológicas principais com algumas variações composicionais e texturais: ortognaisses, biotita-gnaisses e leptinitos (Silva e Silva, 1987; Pires e Heilbron, 1989).




Uma das clássicas publicações que descreve a geologia do Rio de Janeiro é o livro "O Homem e a Guanabara", editado em 1948 pelo geólogo e engenheiro de minas Alberto Ribeiro Lamego. Nesta obra , o autor  descreve o Pico do Perdido como uma "magnífica pirâmide do Grajaú constituída de gnaisse lenticular".




Subir a carrasqueirinha é mais fácil do que descer (foto acima); quem quiser ter mais confiança sugiro levar uma corda. Nos dias de maior frequência o engarrafamento aqui é inevitável, sendo necessário ter paciência com os mais lerdos.



Na volta é preciso um pouco de atenção com o alto capinzal (foto acima), mas não tem mistério; se for voltar ao Grajaú, a trilha que desce para o Vale do Perdido é de fácil identificação.




Após o capinzal a trilha segue à esquerda de uma cerca de arame farpado que até então não existia. Creio que seja para proteger a área da Reserva do Grajaú que está passando por um projeto de reposição florestal.
Depois de caminhar aproximadamente uns 50 metros acompanhando o arame farpado, pegamos a trilha da esquerda na próxima bifurcação.




Chama a atenção a sinuosidade da Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, também conhecida como Estrada Menezes Cortes, principal via de ligação entre a Zona Norte e a Zona Oeste do Rio de Janeiro. 
Sua construção foi iniciada em 1927 pelo então presidente Washington Luís que construiu parte da estrada até a Cabana da Serra, aproveitando parte do antigo caminho do Mateus.




O final da construção da estrada só aconteceu em 1950 no governo do Prefeito Ângelo Mendes de Morais. A Grajaú-Jacarepaguá era de terra batida de difícil acesso e intransitável em dias de chuvas. O asfaltamento se deu no início da década de 1960.  A partir de 1963 passou a ser chamada Avenida Meneses Cortes em memória ao político  e militar Geraldo Meneses Cortes, falecido em desastre aéreo ao viajar para Brasília.


Por conta de fortes chuvas no final do mês de abril de 2011 um bloco de 600 toneladas rolou das encostas da Estrada Grajaú-Jacarepaguá na altura do morro da Árvore Seca (foto abaixo). Técnicos da GEO-RIO precisarem de 50 quilos de dinamite para implodir a pedra sendo necessária mais de uma detonação.


Fonte da foto: Terra.com.br

A Prefeitura do Rio de Janeiro disponibiliza um mapa de suscetibilidade ao escorregamento elaborado pela GEO-RIO juntamente com o Instituto Pereira Passos. Se bem que não é preciso ser nenhum especialista para notar que deve-se evitar a Estrada Grajaú-Jacarepaguá nos eventos de chuvas torrencias.


O gnaisse lenticular ao qual se referiu em seu livro é mais conhecido como gnaisse facoidal, considerada pelos geólogos a mais carioca das rochas. Sua origem e de outros tipos de gnaisses e granitos da cidade está relacionada ao evento de colisão continental que formou o Gondwana há cerca de 570 milhões de anos.


Com a erosão e soerguimento da crosta, estas rochas que estavam a mais de 20 km de profundidade, chegaram à superfície e passaram a sofrer os processos intempéricos. O gnaisse facoidal, também é conhecido como augen gnaisse; é uma rocha de origem metamórfica de granulometria grosseira, com feldspatos elípticos de tamanho centimétrico orientados preferencialmente. Outros minerais que constituem a rocha são geralmente quartzo, biotita e magnetita, se agrupam em fitas que contornam os feldspatos.



O Pico do Perdido e sua litologia gnáissica facoidal estão inseridas no evento de convergência do Neoproterozóico conhecido como Brasiliano III, ou seja, na sua fase mais tardia, datada entre 545 a 490 milhões de anos.


Caminhando sobre o dorso do Morro do Elefante temos uma visão bem diferente da Serrilha do Papagaio (foto abaixo). Em primeiro plano o Pico da Coruja com seu gigante diedro e lá ao fundo à esquerda o cocuruto do Pico do Papagaio; entre eles há a Trilha da Serrilha não muito conhecida dos caminhantes.


Nos poucos afloramentos encontrados na subida do caminho do Morro do Elefante já percebe-se uma mudança na litologia das rochas. Logo de cara é possível reconhecer o mineral granada (em inglês: garnet) que é ausente no cume do Pico do Perdido. Na parte plana do Caminho do Elefante passaremos por alguns blocos de quartzito que estão inseridos em outro contexto geológico (Meso/Neoproterozóico), portanto mais antigo do que o observado no Pico do Perdido.


Guarde bem na memória o visual da foto acima, pois em breve a trilha irá descer para a esquerda. Quando começar a surgir uma vegetação mais fechada com árvores de porte médio fique atento!


Encontramos este representante do Reino Fungi que parecia chantilly incrustado em um apêndice no tronco da árvore. Até pode sevir como um referência ao longo da trilha, mas não sei se este fungo vai perdurar durante muito tempo.


Este trecho entre o Morro do Elefante e o Platô da Caveira vai ser detalhado em outra ocasião. No suposto local do Sítio Marie Devel existe uma bifurcação que não tirei foto e nem marquei no GPS. Esta bifurcação que mencionei fica em uma pequena clareira onde pegamos a trilha que sai à esquerda.


Alguém bem intencionado andou marcando a trilha com pequenas pichações de colorjet amarelo no tronco de algumas árvores.  O certo seria uma sinalização com setas de madeira fixadas nas árvores ao longo do caminho correto, como ocorre na área mais frequentada do PNT.


Na única fonte de água encontrada aproveite para encher os cantis pois não há outra no caminho até o Pico da Tijuca. Creio que a potabilidade desta nascente seja confiável, uma vez que não há sinal de intervenção humana. Já ouvi um relato de um trilheiro que foi saciar a sede nos riachos que descem do Corcovado em direção ao Parque Lage e pegou hepatite. Neste caso não é difícil especular a fonte da contaminação, sabiamente se trata do complexo turístico do Corcovado.


A chegada ao Platô da Serrilha da Caveira foi rápida e tranquila sem muitos percalços como da outra vez que fiz esta travessia. Uma vez tentei fazer o caminho contrário e me confundi bastante, tendo que mudar a estratégia no meio do caminho; irei comentar a respeito nas próximas postagens...


A trilha para quem vinha da Caveira estava fechada onde existia um aviso que aterroriza qualquer caminhante. Na verdade quem for para o Morro do Elefante não vai enfrentar nenhum trecho perigoso. 
Creio que alguém tenha se confundido e descido em direção ao Grajaú pela calha do Rio Perdido. Neste caso, vale o que está escrito, pois a descida é muito arriscada e deve ser evitada ao máximo.
  

A sempre puxada subida ao Tijuca-Mirim, para quem vem do Grajaú, apesar de relativamente curta é um verdadeiro teste de resistência. Na base do pico existem algumas vias de escalada sendo um bom lugar para quem gosta de encarar fendas. A foto acima creio que mostra a Chaminé Vitória (2ºII C), uma via bem antiga que segundo consta possui trechos em cabo de aço.





Acima temos a Pedra do Andaraí Maior (861m), também conhecida como Morro da Caveira  ou Andaraí Grande,  e no seu prolongamento em direção ao Grajaú encontra-se o isolado Morro Redondo (529m). Existe um roteiro realizado pelo CEB que consiste em dar uma volta pela base do Andaraí Maior passando pela Gruta Maior, sendo necessário realizar um pequeno rapel. 





















Os "50 tons de azul" da foto abaixo só servem para demonstrar como as condições climáticas estavam perfeitas. Temperatura amena (afinal era final de inverno) e "céu de brigadeiro" deram a tônica durante toda a caminhada.






Só pra se ter um idéia da perspectiva diametralmente oposta, capturei tela de um link do Jornal O Globo onde é possível "navegar" dentro do estádio e ter um panorama de 360º, vale a pena conferir:


http://oglobo.globo.com/infograficos/maracana-360/

















Para saber mais:
(Valeriano, 2005; Valeriano et al., 2007a e 2007b)
(Silva e Silva, 1987; Pires e Heilbron, 1989)


GEOLOGIA DO RIO DE JANEIRO